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A LÓGICA DA DISCIPLINA NA PMERJ – UMA IDEIA DE MUDANÇA

No sistema jurídico pátrio, além das instâncias superiores de recurso há a prevalência de decisões colegiadas em contrapartida às decisões individuais. Na primeira instância, excetuando-se os crimes decididos pelo Tribunal do Júri (colegiado popular), as sentenças são prolatadas por juízes isolados, delas cabendo recurso às instâncias superiores formadas por colegiados. Nestas, o relator do processo e o revisor apresentam seus votos, e os demais membros do colegiado decidem se concordam ou não com eles. Enfim, nesse processo democrático, as decisões colegiadas são sempre prevalentes em cotejo com as decisões individuais.

Na PMERJ é o contrário, ou seja, os colegiados investigam faltas disciplinares e votam contra ou a favor dos acusados. Mas os comandantes de OPM, que determinaram a abertura de procedimentos administrativos, podem discordar da decisão colegiada e modificá-la, assim como o comandante-geral, em decisão final intramuros, pode mudar tudo, como se a apuração na menor esfera hierárquica, embora plural, não valesse absolutamente nada. Enfim, como se todos fossem capciosos ou estultos. Enfim, a verdade e a razão pertencem a quem manda mais, sistema que lembra os tempos inquisitoriais e absolutistas em que todas as cartas eram adrede marcadas pelas autoridades determinadoras de apurações.

A polêmica em torno do assunto vem ganhando espaço público. A Comissão de Segurança Pública da ALERJ começa a questionar o modelo disciplinar da PMERJ, que se resume a um processo decisório injusto, eis que desmoralizante para os colegiados disciplinares. Todavia, ninguém mexe uma palha para modificar esse sistema concebido num passado tão distante que se poderia dizê-lo remoto. Todavia, não é difícil estabelecer critérios mais justos e transparentes, respeitando os direitos humanos dos militares estaduais (é idêntica a situação no CBMERJ). Porque, em possuindo estruturas organizacionais semelhantes, ou seja, ambas as instituições são estruturadasem comando-geral, estado-maior, comandos intermediários e comando de unidades (regimentos, batalhões, companhias ou equivalentes OPM ou OBM), é possível estabelecer numa só lei os critérios norteadores de um novo sistema disciplinar, com privilégio das decisões colegiadas. Ressalve-se, porém, por amor à verdade, que atualmente uma instância de decisão foi engolfada pela política e os antigos comandantes-gerais são hoje secretários de estado, acumulando em si as decisões dos comandantes-gerais e as de secretário de estado, não havendo mais essa instância de recurso.

Apenas como sugestão, o sistema poderia funcionar por meio de Tribunais Disciplinares (TDs), composto por cinco ou sete membros funcionando nos comandos de área, para julgar transgressões que se configurem passíveis de desligamento do acusado dos quadros da PMERJ e do CBMERJ. Deste modo, em vez de o comandante de OPM e o comandante-geral decidirem sobre o destino do militar estadual submetido a Conselho Disciplinar, nos moldes atuais, ele encaminharia o processo administrativo (que seria Sindicância ou IPM) para confirmação ou mudança da decisão colegiada pelos TDPI (Tribunais Disciplinares de Primeira Instância). No TDPI, em se mantendo os PADs (CRD, CD, CED, CJ), eles passariam por reavaliação a partir de um relator e de um revisor, com espaço para apresentação de alegações de defesa e de acusação, para depois, aí sim, ser publicamente julgado por todos os membros dos TDPI, com total independência, podendo-se admitir a presença dos públicos interno e externo em sua fase final. Já nos casos de averiguação, sindicância e inquéritos policiais militares, as decisões seriam conforme o rito atual, exceto quanto a algum desdobramento disciplinar, quando então seriam igualmente encaminhados para o TDPI.

Tal como funciona o colegiado da AJMERJ, os TDPIs contariam com um presidente designado por período de um ano, assim como os demais membros (quatro), tendo em cada processo um relator e um revisor. A estrutura dos TDPIs contaria uma secretaria para garantir formalidades e prazos. Quanto às formalidades, nada impede que sejam as mesmas que se aplicam aos atuais conselhos disciplinares (que devem ser extintos), às averiguações, às sindicâncias e aos inquéritos policiais militares.

Como esses conselhos disciplinares são para processar administrativamente graduados, praças e praças especiais, eles poderiam seguir o mesmo rito, exceto quanto às decisões isoladas de comandantes, chefes e diretores, limitados ao encaminhamento dos resultados dos conselhos aos TDPIs respectivos para avaliação, relato, revisão e julgamento, cabendo às partes apresentar alegações finais escritas e acusação e defesa orais em ato público. Eis como se eliminaria a decisão isolada de quem manda mais e se garantiria a mais absoluta transparência, com ressalva de que não mais haveria de haver decisões de “Conselhos Disciplinares” com premeditada homologação, ou não, da autoridade que os determinou.

Quanto ao procedimento administrativo destinado a oficiais, o Conselho de Justificação (CJ) permaneceria como está, mas a decisão interna sobre o destino do oficial seria igualmente tomada por TDSI (Tribunal Disciplinar de Segunda Instância), este, formado por coronéis sempre mais antigos que o de igual posto que esteja sendo avaliado por CJ, ou por TDSI designado pelo comandante-geral também por prazo de um ano e sorteio entre a oficialidade superior, de modo que os TDs possam funcionar com majores (para julgamento de capitães e tenentes), tenentes-coronéis (para julgamento de majores) e coronéis antigos (para julgamento de tenentes-coronéis e coronéis). O resultado desse julgamento na esfera administrativa seria então encaminhado aos comandantes-gerais da PMERJ e do CBMERJ e/ou secretários de Polícia Militar ou de Defesa civil, aos quais caberia apenas encaminhar o desfecho ao Tribunal de Justiça para decisão final, como reza a Carta Estadual. Enfim, às autoridades maiores (comandante-geral, corregedor unificado e secretário de Segurança Pública) caberia apenas encaminhar o feito sem interferir no resultado do julgamento pelos TD de Primeira ou de Segunda Instâncias.

Por outro lado, à autoridade maior (Governador do Estado) caberia alterar o resultado desde que para beneficiar os acusados por meio de decisões humanitárias, a critério da própria autoridade máxima no âmbito disciplinar. Nesses casos, os processos de revisão das decisões ainda no âmbito administrativo contariam com o direito de perdão por parte do governante, desde que, claro, as transgressões disciplinares não tenham resultado em crimes capitulados em códigos e leis referentes.

Como se vê, trata-se de sistema legal que visa a proteger os comandos, chefias e direções do incômodo de se tornarem “vilões da história” ao mudarem decisões de colegiados, o que muitas vezes ocorre sem que isto represente nenhuma vantagem à hierarquia e à disciplina. Com a mudança dos critérios, não haveria mais especulações sobre injustiças endereçadas a essas ou aquelas autoridades, que, todavia, continuariam a punir faltas leves e a determinarem abertura de procedimentos administrativos (Sindicância e IPM), liberando-se apenas de referendar decisões contrárias às dos colegiados, o que hoje acontece é um absurdo.

O respeito à decisão colegiada é o que falta ao sistema disciplinar, hoje desmoralizado em vista de abruptas decisões individuais retaliando oficiais e praças depois de absolvidos de suas faltas pela justiça, de modo que essas decisões, que se tornam inúteis, são mantidas por quem manda mais no escalão hierárquico/disciplinar/piramidal. Um absurdo!

Daí a necessidade de alteração do sistema punitivo dos militares estaduais, eis que distante dos preceitos constitucionais que informam os direitos humanos e a cidadania. Porque a violência disciplinar hoje funciona como uma carreta sem freios descendo ladeira abaixo, ao sabor de idiossincrasias que não servem mais que para desancar o prestígio da PMERJ e do CBMERJ junto à sociedade.

Manter tal sistema é permanecer numa escuridão secular, que só traz prejuízos ao moral da tropa e à legitimidade da corporação perante os públicos interno e externo. Pois cada anúncio de exclusão coletiva contrariando decisões colegiadas cria no espírito da tropa um sentimento de terror que não interessa ao cidadão destinatário dos serviços desses militares estaduais hoje tratados a ferros como nos tempos remotos dos “castigos-espetáculos”.

Claro que se trata de opinião sucinta. É necessário aprofundar a ideia até torná-la realidade, o que deveria ser por iniciativa do governante. Como ele vem de quando em quando atropelando a PMERJ e o CBMERJ, eis uma boa hora de ele se redimir com um ato de enorme efeito positivo na tropa, sem que, no entanto, se torne benevolente em relação à hierarquia e à disciplina castrenses.

Se ele e outros governantes tanto proclamam que pretendem mudar o sistema disciplinar, que então se iniciem por essa mudança no modelo punitivo. Afinal, é a pirâmide de poder que dá a apenas um a excessiva condição de retaliar, em detrimento de um colegiado disciplinar sem mais espaço para desmoralizações coletivas da tropa; pois esta sabe, adrede, que as decisões colegiadas de hoje são como esparadrapo em fratura exposta: sempre inofensivas ante o poder maior de quem manda de fato no quartel, e que produz, no fim de contas, a fratura, para expô-las como troféus de “disciplinador”; tal como fazia o Major Vidigal:

“[…] O Major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo da administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua imensa alçada não havia testemunhas, nem provas, nem razões, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justiça era infalível; não havia apelação das sentenças que dava, fazia o que queria, e ninguém lhe tomava contas. Exercia enfim uma espécie de inquisição policial […]” (Manuel Antônio de Almeida in Memórias de um Sargento de Milícias – Editorial Sol90, Espanha, Barcelona – 2004)

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