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A PM DO RIO E SUAS ORIGENS DOENTIAS

O horizonte de 2018 é sombrio em muitas partes do mundo, que se destroem em guerras; é também no Brasil dos escândalos e da volumosa criminalidade, cujo epicentro é o tráfico transnacional de drogas e armas de guerra. E mais ainda num RJ levado ao extremo da degradação moral devido às roubalheiras, à má gestão pública, e ao desinteresse do seu direito aos royalties do petróleo, permitindo sem luta que fossem redistribuídos pela União, esta, governada por mal-intencionados e larápios. Sem falar na malfadada Fusão do RJ com a GB, um desastre à parte.

O horizonte do RJ, por tudo isso, é mais que sombrio, é trevoso e sujeito a muitas desgraças presentes e futuras. Se não bastassem as nascidas aqui, que não são poucas, há as desgraças de fora, de natureza econômica e política, somando-se à tendência autodestrutiva de cariocas e fluminenses, que, impulsionados por uma mídia nacional deformadora de valores morais, entregaram-se, elite e massa, à subserviência, ao conformismo e quiçá à lascívia por conta do consumo de drogas.

Nesse ambiente apodrecido vicejam os criminosos com suas variadas práticas a provarem que o crime compensa. Infelizmente, eles são ainda ajudados por autoridades públicas importantes, que antes deveriam contê-los e situá-los no seu nicho prisional, mas que preferem saudá-los em inusitadas selfies e indagações cautelares para saber, pela palavra deles, criminosos, desonradas na origem, se foram bem tratados ao serem presos em flagrante de crime, tornando o criminoso mais importante que a vítima e o policial. E a polícia, atônita diante de tanto mimo ao bandido, e da raiva do povo, desvia-se para o mesmo lado errado, dentro da lógica de que o crime no RJ é a mais e mais lucrativo.

Esta é a síntese de um ambiente social confuso e turbulento, misturados os povos carioca e fluminense no peito e na raça por um regime político, não apenas militar, mas também eleito pelo povo brasileiro. Ambos ignoraram os valores históricos de dois povos regionais distintos, sendo certo que, no caso dos cariocas, como povo uno, rachou-se pela ida da capital para Brasília e pela criação abrupta de um novo Estado Federado: o Estado da Guanabara.

Nesta primeira fase destrutiva das tradições populares e institucionais iniciou-se a eterna disputa entre dois pedaços da mesma PM partida ao meio (PMDF e PMEG), não apenas pelo poder, mas pela carcaça dum cão de nome Bruttus, considerado pelos dois lados como “herói” da Guerra do Paraguai. Essa peleja visceral fez entornar a primeira dose duma realidade universal: os militares dependem de suas tradições históricas para estufarem o peito até morrer. Mas isto foi ignorado, e tudo se tornaria briga de gatos dentro do mesmo saco, até que eles fossem separados em dois sacos de gatos e afastados por quilômetros. Boa providência, mas que de nada adiantou, até hoje os dois lados disputam a propriedade moral e material do cão Bruttus. Ainda bem que o nosso heroico “Pardal”, que morreu abraçado à Bandeira Nacional na Guerra do Paraguai, é Sargento, não é um cão…

Se ainda não bastasse, o regime militar, por conta de “alvissareira ponte”, – obra física que mudou o rumo da história, – o regime militar decidiu fundir cariocas e fluminenses como se juntasse dois sacos de batatas num só, sem considerar que a indigesta iniciativa aceleraria o apodrecimento de todas as batatas, e rapidamente… E assim a histórica PMDF, que não conseguiu levar para Brasília o seu símbolo maior – a carcaça do “cão herói” –, viu-se partida ao meio para dar lugar ao nascimento da PMEG. Enfim, uma só PM, de mesmas tradições seculares, dividida em duas, passou a disputar a carcaça do cão em dissensão que se reflete até hoje, e para sempre, no espírito de ambos os lados da mesma moeda.

Era este o clima de um lado da poça d’água, enquanto o outro lado (RJ) acolhia sem conflitos uma modesta instituição, porém igualmente arraigada a suas tradições seculares. E, se não havia um “cão herói” a exaltar, ocupava o espaço uma “Bandeira Centenária” toda furada de balas dos inimigos paraguaios derrotados. Trazia consigo a história de heroísmo dum sargento Pardal que morreu empunhando-a na Zona de Combate de muitas batalhas (Tuiuti, Itororó, Avaí, Angostura, Cerro Corá, Riachuelo, Lomas Valentinas, Humaitá etc.), batalhas que levaram à destruição de Solano López, dos seus exércitos de homens, mulheres e crianças, enfim, todo o povo paraguaio.

Essas tradições, diversificadas por emoções próprias, foram abruptamente juntadas num saco de entulhos, pois assim foram tratadas por militares federais que “pensavam alto”, que “pensavam no povo brasileiro no seu todo”, e não se importaram com o espírito de corpo militar dessas corporações auxiliares. Claro que, quando assim deliberaram, sabiam que Maquiavel já estereotipara as “forças auxiliares” como “mercenárias”, e, portanto, descartáveis.

Eis o meio de cultura em que vicejou como fungo venenoso a tentar se tornar flor, porém apodrecido na origem: a atual PMERJ. Juntaram-se, pois, inimigos e desafetos se fingindo amigos. Incrível é que nesta confusão entre “azulões” e “treme-terras” há quem pense e defenda em ingenuidade, ou em ironia, ou em hipocrisia, que a cor da farda, de bege para azul, uniu as pessoas, e que o “militarismo” uniu o que chamamos de “tropa”. Há quem ainda pense e defenda que esse apodrecido militarismo seria capaz de “cimentar” uma saudável hierarquia e disciplina militares.

Eis a mórbida questão!…

Insisto na mórbida questão, sim! E garanto que enquanto houver vida entre os originários da colcha de retalhos velhos, os retalhos novos fabricados após o ano de 1975 jamais conseguirão tornar a colcha uma só; esbarrarão no que ela efetivamente é: um monturo de retalhos velhos remendados com pedaços novos em irreparável contaminação… Neste ponto, muitos poderão questionar: “E daí?”

Ora bem, daí é que, a uma, vamos ao conceito estrutural, universal, resumido na máxima arquitetural de Louis Sullivan, aqui reproduzida sem preocupação com sua exatidão vocabular, mas se mantendo em sua essência (“A forma segue a função”). Sim, a forma (estrutura) segue a função (objetivo), base conceitual que deve nortear todo o raciocínio seguinte para se concluir que a atual PMERJ, como “forma”, resumida nas seis variáveis básicas de uma organização social (“estrutura, pessoas, tarefas, ambiente, tecnologia e competitividade” – vide Idalberto Chiavenato), está longe de atender aos seus multifacetados objetivos institucionais, que não se resumem ao controle da criminalidade, como muitos errônea ou maliciosamente pensam. Longe disso, a PMERJ é o que o saudoso mestre e coronel PM Jorge da Silva, estudioso da Segurança Pública, costuma dizer e repetir, ou seja, vai muito além, vai como um Bombril de “mil e uma utilidades” e como a “Geni” (do Chico Buarque) na qual todos jogam pedras.

Mas a PMERJ – “como o caju que apodrece, mas a castanha resiste” (de Salgado Maranhão – o poeta) – a PMERJ não se dobra ante suas desgraças. Porque, ignorando seus problemas institucionais, que se refletem negativamente na pessoa do PM como detentor de direitos, ou seja, ignorando o somatório de seus anseios e valores pessoais e institucionais individualizados, a PMERJ resiste, sim!…

Porque, enfim, se apoia num anacrônico militarismo de força mercenária, e na pressão de cima para baixo em furor de Titãs que lhe permitem, do pico para a base, pisotear o que internamente se denomina “tropa”. Mas esse conceito de “tropa” mais lembra a de burros subindo montanhas, por trilhas perigosas, tangidas a ferro por experientes tropeiros. Enfim, lembra animais racionais (?) conduzindo animais irracionais (?); mas, ao fim e ao cabo, são “corpos dóceis” enquadrados no conceito de Michel Foucault in “Vigiar e Punir”.

Se não bastasse, é a “tropa” pisoteada pelo Poder Executivo, pelo Poder Judiciário e pelo Poder Legislativo, como se fosse toda ela descendente do “Coisa-ruim”; é a “tropa” que morre diariamente como lixo descartável, nem reciclável, já que o manancial é amplo, a fila de miseráveis atrás de emprego é imensa.

Sim, mas é com essa “tropa” que se pretende vencer a sofisticada, numerosa e rica criminalidade do tráfico e suas infindáveis conexões com poderosos segmentos sociais. Sim, sim, quando se fala em conexões, há de se entender seus tentáculos abraçando amigavelmente o sistema situacional e se embrenhando entre os poderes, inclusive, claro, o próprio subsistema policial. A este, coitado, resta morrer em valentia, como o cão Bruttus, ou como o alferes “abraçado a si mesmo ao ser atingido no abdômen por balas de canhão” no introito do belo romance do saudoso João Ubaldo Ribeiro: “VIVA O POVO BRASILEIRO” ou se render à cobiça que permeia como peste a tessitura social pátria, o que dispensa maiores comentários.

Deduz-se, pois, que o ano de 2018 e seguintes será trevoso, sim! E não será a PMERJ, – esta que esmiuçamos em temeridade, esta em que seus integrantes pensam que a conduzem, mas são conduzidos por uma cultura secular, – e não será esta PMERJ capaz de ser suficientemente “Bombril” a resolver a questão. Será, sim, e como sempre, a “Geni” apedrejada por todos em nome de todos.

Feliz Natal e próspero 2023 fazendo o “L”!

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