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COLEÇÃO POLÊMICA – DISCIPLINA NA PMERJ – UM PENSAMENTO CRÍTICO

A violência, a omissão, a ineficiência e a corrupção de alguns policiais-militares nas ruas são fatos incontestes. Mas não deveria ser novidade numa sociedade ativamente corrupta e amante de pequenas ilegalidades.

Tal é a frequência desses desviados comportamentos, de parte a parte, que se corre o risco de, perigosamente, generalizá-los e considerá-los como características irreversíveis do desempenho policial no nosso Estado. Não é bem assim, boa parte da sociedade é sã e de bons princípios, assim como grande parte da Corporação é honesta e valorosa. Cuidamos então de exceções, e elas podem ser solucionadas.

Entretanto, compete à sociedade no seu todo – e ao cidadão contribuinte, em particular – diagnosticar sobre o que está ocorrendo, e participar ativamente de um trabalho de recondução da corporação à dignidade, à eficiência e ao respeito à democracia.

Na verdade, a Polícia Militar necessita muito menos de aquartelamentos, viaturas, armamentos poderosos e equipamentos sofisticados, e bem mais uma efetiva liderança de seu comando sobre a tropa, e de práticas democráticas e justas no relacionamento interno, e de respeito à legislação na distribuição de justiça no âmbito das inter-relações cotidianas do PM com o PM e deste com o público. Para tanto, a PMERJ deve se ver no espelho como prestadora de serviços e não apenas como “combatente” de um banditismo que demanda ações diversas de outros órgãos do sistema de justiça criminal ou de segurança pública.

Deve-se de pronto admitir a PMERJ como protagonista de erros administrativos extremos por ser uma instituição que já excluiu e continua excluindo milhares de componentes ano a ano, mas que deveria ter desconfiado de que existe algo muito confuso e temerário em suas práticas intramuros, resultando maus exemplos extramuros. Pior que, em vez de melhorar, tudo se deteriora acentuadamente.

A receita da homeostase parece simplista. Mas os que convivem com o dia a dia dos policiais-militares sabem que a PMERJ atualmente é “terra de ninguém” no que diz respeito a tais pontos. Um fosso profundo entre oficiais e praças, a falta de liderança daqueles sobre estas e uma prática odiosa e impune de cometimento de injustiças, são pontos extremamente negativos, que estão a levar a Corporação a uma posição insustentável.

Faz tempo que o Governador Brizola indagava – parece que a esmo, pois o então comando da PMERJ não comungava tal reflexão – a respeito do destino dos policiais-militares excluídos; inclusive, apontava para duas saídas: ou se afastava o PM, porém lhe garantindo uma ocupação decente, ou se repensava o sistema corretivo; caso contrário, concluía o governador num raro relance de sensatez, esses excluídos estariam engrossando hostes marginais.

Acrescente-se que a indagação e o receituário do Chefe do Executivo, podemos crer, eram frutos de uma macrovisão superficial do problema. Decerto que ele seria mais incisivo se soubesse que a grande maioria das exclusões de policiais-militares a bem da disciplina são do tipo:

  1. a) porque um PM, com vários anos de serviço, chegou algumas vezes atrasado ao quartel;

  2. b) porque um PM, com vinte e quatro anos de serviço, saiu pelo portão do quartel calçando chinelos;

  3. c) porque um PM deu tiros para o alto, sendo este o pretexto para incriminá-lo, já que estava se recusando a enfrentar trabalho escravo de construção de muro em terreno de praia de determinado oficial;

  4. d) porque um traficante, gratuitamente, apontou determinado PM como beneficiário de propinas;

  5. e) porque se necessitava excluir alguém para dar uma resposta à opinião pública; porque um marginal qualquer tentou extorquir a própria irmã e, para isso, acusou uma guarnição inteira de tê-lo sequestrado etc.

Na verdade, com a mais tranquila e firme convicção, podemos afirmar que a grande maioria dos casos de exclusão de PMs não resiste ao mais tênue crivo dos princípios constitucionais aplicáveis aos processos administrativos e aos que se vejam apontados como acusados.

Assim, dentre os milhares de casos, pouquíssimos seriam os policiais que mereceriam a exclusão. Mas alguém afirmaria, por vício de preconceito, que não são poucos os casos graves! Concordamos em parte. Entretanto, por essa mesma dinâmica incrível e perversa, esses casos graves normalmente ficam impunes, por insolúveis, em razão da pouca aptidão da PMERJ em apurar o que for de difícil apuração. Desta maneira, pretendeu-se sempre, ontem e hoje, excluir maciçamente os integrantes da tropa, de modo a resguardar um pretenso e aparente “zelo” do comando. Então ninguém jamais poderia falar que seria por falta de rigor e de expulsões que o Comando se estaria omitindo diante da violência, ineficiência ou corrupção de algum PM ou grupos de PMs!

Entretanto, podemos apontar os comandos da PMERJ como extremamente omissos nesta questão, e que, em contrapartida, milhares de famílias de ex-policiais-militares amargam injustas e terríveis privações, que são do conhecimento de toda a tropa, ocasionando verdadeiro desespero coletivo, o que vem comprometendo operacional e eticamente a Corporação, e, ademais, talvez validando a tese do caudilho.

Pois bem, ainda hoje a PMERJ continua afrontando suas leis e a própria Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que garante a todas as praças que só por decisão do tribunal competente poderá ocorrer a perda da graduação. Alega-se, por comodidade, que tal dispositivo teve arguida a sua inconstitucionalidade. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal não se manifestou a respeito da matéria e, por princípio comezinho, o mandamento constitucional deveria ser obedecido. Não é o que acontece.

Deste modo, há de se sacudir internamente a Polícia Militar; exorcizar dela todas as práticas ditatoriais; refrear os poderes e as idiossincrasias dos comandos e dos oficiais acerca do destino último das praças; fazer do respeito aos direitos de seus integrantes o principal mandamento; e, finalmente, injetar harmonia nas relações internas.

Este caminho simples, para o qual não são exigidos recursos financeiros, é o principal passo para desatar o tremendo nó que imobiliza esse importante órgão da segurança pública. Para tanto, porém, são indispensáveis duas coisas: vontade política e coragem, virtudes que dificilmente encontram eco em algum governante ou comandante de ontem, e quiçá de hoje e amanhã.

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