top of page
Editor

Exercito Brasileiro e Polícia Militar, “Subordinados ou Servos”

O título pode parecer exagerado, talvez assustador, mas é adequado à reflexão que aqui se faz sobre a hierarquia adotada no cotidiano das PPMM, que é cópia piorada da prescrita para o seu equivalente federal: o Exército, do qual a PM é força auxiliar.

Sim, devemos logo sublinhar que as PPMM são forças auxiliares reservas do Exército, e com esse principal objetivo foram estruturadas, porém não têm nem podem ter as incumbências daquela força federal. São, na verdade, diametralmente diferentes em seus objetivos, estes que se poderiam superpor ou coadjuvar somente em ações de defesa interna, ou seja, contra guerrilheiros, terroristas etc., hipótese cada vez mais longínqua, porém ainda não descartável.

Ações de defesa interna não deixam de ser uma espécie de combate militar, ou seja, de ação operativa comandada ao estilo militar e visando à destruição do inimigo dentro do próprio território nacional, seja ele um inimigo, brasileiro ou estrangeiro infiltrado em movimentos tupiniquins.

Tal consideração remete à ideia de que a hierarquia deva ser rígida, porque nessas ações o homem é comandado para ir à morte sem recuo. E, para não recuar, hão de haver regras duras de comportamento em condições de normalidade, para que incidam sobre os militares em situações de extrema gravidade. A questão, todavia, está no equilíbrio desse difícil fiel de balança, pois é certo que, em linhas gerais, é a mesma e rígida disciplina em tempos de guerra que é acirrada em tempos de paz.

A paranoia da rigorosidade remonta ao período da II Grande Guerra e ao fato de que ninguém em sã consciência desejaria ir a uma contenda com pouquíssimas chances de retornar. E não foi outro o motivo que fez com que o estatuto dos militares primasse pela inflexibilidade absoluta naquela época. O que ninguém sabe, porém, é que muitas daquelas normas absurdamente rígidas, no Estatuto do EB, perduram até hoje na PMERJ, e muitos sabem ainda menos que o Estatuto do Policial-Militar é “clone” daquele, federal, da época da guerra.

Sim, quase todas as leis que regulam a vida policial-militar na PMERJ têm como paradigma o Estatuto do EB, e este se reporta àquele, federal, de 1946 ou de antes, feito durante o conflito mundial ou antes, ou pouco depois, não importa.

Alguma coisa está errada nesta história, pois é inadmissível que a PMERJ até hoje não se tenha debruçado sobre o seu corpo de normas nem mesmo para descobrir como e por que surgiu cada artigo, parágrafo, item, alínea etc. Mantém-se o estatuto nos moldes do outro, feito para atender a emergências de uma guerra crudelíssima ou a um militarismo de tropa descartável, tudo extremamente incompatível com a atividade policial. Por quê?

Pode-se supor que a manutenção até hoje desse pergaminho estatutário  deve-se à preguiça intelectual dos PMs de alto talante. Outros já poderiam sugerir que apenas se mantém a tradição da força auxiliar, que se espelha no Exército Brasileiro. Já outros garantem que vale insistir nesse carcomido instrumento legal, volta e meia alterando-o apenas nos pontos que porventura interessem ao sistema, como no caso das regras de promoção, sumamente conveniente à manutenção do status quo.

Aí tudo se remete ao passado, aos tempos del-rei, à casa-grande e à senzala, aos servos e aos senhores feudais. Retorna-se a uma época em que a hierarquia era a da “espadada no lombo”, a do chicote açoitando os desobedientes ou revoltados; enfim é o apego aos tempos do açoite e do azorrague, do chabuco e da chibata, do chico-das-dores e do couro, do látego cruel e da muxinga, da  peia e da vergasta. Ora, ora!…

Isso mesmo! Não há como negar que a sociedade é partida em elite e massa, ontem e hoje. E é inegável que a elite não quer ceder em nem um milímetro o seu poder de manipulação. No mundo civil, não há quem não admita, por ser gritante, essa divisão social que empurra a maioria da população para a “miséria regulamentar”, enquanto uma ínfima minoria detém livremente o poder de “vigiar e punir” a massa de pobres, indigentes e miseráveis.

São os capitalistas os únicos que utilizam o poder real e são imunes aos regulamentos. Os PMs são meros funcionários públicos sujeitos aos regulamentos que lhes cerceiam a inventividade e a liberdade de discordar. São também vigiados e punidos tanto quanto aqueles sobre os quais exercem alguma vigilância. Na verdade, até os detentores do conhecimento científico sobrevivem como servidores públicos ou à custa de patrões, em ambos os casos submetidos aos rigores governamentais ou capitalistas. E os capitalistas mandam nos governos. É assim o poder desde os tempos imemoriais.

É certo que há os que logo diriam que “os tempos são outros, de liberdade, de justiça social, de respeito entre os cidadãos, independentemente de classes sociais”. É ruim, hein?… Que será que o favelado pensa disso?… Que será que o PM pensa disso?… Ora, é óbvio que há e sempre haverá o moinho esfarinhando a semente, fragmentando-a e manipulando-a para lhe dar a forma que bem entender: a forma do pão que sempre é comido pela elite, nem sempre pela massa. A elite é o moinho, farinha é o poviléu, este sempre mais numeroso. A Elite é o regulamento, poviléu é seu fiel cumpridor. PM é poviléu. E nunca a legalidade instituída pela elite corresponde à legitimidade que se aflora naturalmente do poviléu…

Era assim no passado, é assim hoje. Hoje, cá entre nós, é ainda pior, porque as diferenças sociais e o servilismo da massa são dissimulados em comportamentos hipócritas, ou seja, no fundo manda quem pode e obedece quem tem juízo, e quem tem juízo se submete à hierarquia do servilismo, ao paternalismo do patrão e ao clientelismo servil dos regulamentos. Esta é a regra geral na sociedade brasileira. E no quartel?…

Bem, no quartel impera uma draconiana legislação disciplinar, que mantém os subordinados agrilhoados ao extremado temor em relação aos seus superiores. E, do temor, lhes sobrevêm o conformismo; e, deste, emerge o servilismo nojento que transforma hierarquia em doença.

É assim nas PPMM, (ressalvadas as exceções?…), pois o PM, que vem para ficar 30 anos trabalhando, se obriga a um regime de vida que é pautado em leis feitas para controlar exército de conscritos por um ano ou militares em guerra cruenta. Então, ao se deparar com isso tudo, ou o PM pula fora, pedindo baixa, ou se revolta contra as normas e é punido à exaustão, até que receba o pontapé no traseiro e seja bruscamente descartado sem direito a nada. E, se por acaso ele desejar ficar, obrigar-se-á ao regime escravocrata das normas disciplinares defasadas no tempo, e se adaptará ao servilismo, mesmo que apenas finja. Mas fingirá durante toda a vida, o que, no final, dá no mesmo. Aí, então, ele fica. Ou fica para “se dar bem” e desaparecer depois…

Será que só é possível admitir a existência de hierarquia e disciplina no âmbito exclusivo do militarismo?… Será que não há possibilidade de se instituir um modelo de disciplina militar unicamente “policial”, ou seja, mais civilista, deslocando-se o seu eixo para o incentivo ao bom desempenho e para a motivação?… E, por fim, será que um ser humano submetido a essa disciplina militar tacanha e atemorizante intramuros tem condições de se exercitar convenientemente como policial discriminativo extramuros?…

Comments


bottom of page