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Editor

Sobre a anomia que devasta a tessitura social do Rio de Janeiro

Talvez seja cansativo afirmar que os crimes de fraude e sangue vêm maculando a convivência social de cariocas e fluminenses nas últimas décadas, incluindo-se roubos de celulares com vítimas fatais, em sua maioria adolescentes vitimados por infratores adolescentes. Pior, todavia, é ignorar o assunto, e mais cansativo é constatar que o problema se expande e aprofunda em formato de gravíssima calamidade social.

Eis porque insisto em sublinhar que o crescimento da violência e do crime decorre de uma série de fatores conexos, mas é no sociopolítico que reside sua principal causa – o fiel da balança cujo peso até hoje não encontra contrapeso capaz de resgatar o equilíbrio perdido. Sim, tudo se reporta à política e suas (in) decisões; mas ela, além de inerte em relação ao grave problema, está em tão tamanhona podridão intrínseca e extrínseca que dispensa comentários…

No Rio de Janeiro…

Nas eleições para governador, em 1982, o RJ escolheu seu destino em exagerada esperança das populações faveladas no populismo e em suas demagógicas e mirabolantes soluções sociais. Em excesso de fé, e em silêncio vulcânico, as comunidades carentes conduziram o espetáculo eleitoral forjando o que viria posteriormente a explodir e a escorrer como magma eruptivo: o sangue derramado e secando no chão poeirento e lamacento da senzala, e grudando no asfalto da casa-grande, por conta da omissão e das falácias politiqueiras a justificarem criminosos e seus crimes como se tudo fosse consequência da “desigualdade social”.

Junto com a eleição do governante estadual, – e com a legítima imposição de suas idiossincrasias, – floresceu o tráfico de drogas nas favelas. Tudo ocorreu na esteira da predeterminada omissão policial fundada em motivações sociais que jamais ultrapassaram seus discursos enganosos. Por outro lado, o narcotráfico alastrava-se mundialmente, e o RJ se comportou como nos áureos tempos dos “coronéis-fazendeiros” e da “lei do mais forte” com a politicagem brizolista apoiando deliberadamente os criminosos e menoscabando a atividade policial.

Parodiando os “coronéis-fazendeiros”, instituiu-se no RJ a figura do “coronel-traficante” dominando pelo terror das armas, – e pelo beneplácito da maquinaria governamental deliberadamente emperrada, – dominando as comunidades carentes.

Ressalte-se que pouco ou nada mudou nos governos seguintes, a não ser pelo fato de cada prato da balança tender alternadamente para um lado ou para outro: permissividade versus truculência versus permissividade versus truculência… Até os dias de hoje, é o que se alardeia como “política de segurança pública”, – aos quatro ventos, – em bravatas públicas de espantados governantes, todos aleatórios e pouco ou nada técnicos.

Tornando ao passado mais longínquo, já naqueles tempos o sangue jorrava no rastro das riquezas auríferas, madeireiras, canavieiras, cafeeiras e cacaueiras. O foco da violência eclodia em cobiça desenfreada – romances de Jorge Amado (Tocaia Grande), Adonias Filho (Corpo Vivo), João Ubaldo Ribeiro (Viva o Povo Brasileiro), dentre outros, retratam mui bem essa turbulência social. Era sangue de impunidade e a terra virgem sugava-o, e a poeira barrenta cobria-o ao primeiro vento, e tudo se apagava no esquecimento.

Hoje, o asfalto mantém o sangue em mancha fotografada e arquivada; e quando some, outro sangue se lhe sobrepõe em constância: pouco sangue de opressores e muito sangue de oprimidos, descontados os corpos desaparecidos em rios, lagoas, baías e pântanos, ou torrados em “microondas”… E muita cocaína para todos, e um ódio intenso e vingativo faiscando em olhares raivosos, em vontade de matar, em certeza de impunidade, em ações belicosas, em pistolagem, em chacinas!

Colonização, Império, República, Estado Novo, Ditadura, Abertura, Democracia… (democracia?). O que mudou nesta terra brasileira?… Nada!… Na contenda entre a aristocracia e a plebe, a vitória é certa dos herdeiros das riquezas acumuladas na contrapartida do suor dos pés-de-chinelo. Enfim, a violência é a mesma, e não mudaram os violentados, – povoléu civil e fardado, – massa de manobra à disposição de figuras badaladas em revistas que circulam em glamour, como se em volta a desgraça não existisse.

Esses vaidosos e famosos, – dentre os quais os políticos enaltecidos pela mídia capitalista à custa de soldos publicitários governamentais, – esses vaidosos e famosos não são atingidos a não ser pelos olhares esperançosos dos miseráveis, que enfiam nos jogos de azar governamentais e particulares suas moedas mínimas (logo somadas à riqueza da elite), com a repressão estatal incidindo apenas sobre o particular em especial o bicheiro da esquina…

Entretanto, nem tudo tem sido tão perfeito nos últimos andares do edifício social… O crime começa a assolar os ricos; a droga avança em aprimoradas modalidades de consumo, com destaque para o ecstasy; e pobres, e ricos, indistintamente, cobram de um poder público moralmente fraco a solução, esquivando-se, porém, de suas responsabilidades. Também a União e os Municípios se comportam em descarado autismo. Fazem corpo mole enquanto exigem do exaurido Estado-membro um dever constitucional que igualmente lhes cabe cumprir. A continuar assim, neste pingue-pongue, o resultado será o caos… Ou já estamos nele?

Sim, já estamos no caos faz muito tempo, com todo mundo a matar todo mundo. Morre-se de tiro, e tuberculose, e  overdose e COVID, e dengue; morre-se demasiadamente no trânsito; porque não há fronteira nítida entre a legalidade e a ilegalidade; ninguém sabe quem está do lado de quem; vivenciamos o desvalor da vida humana; vivenciamos um tempo de corpos caídos numa só poça de sangue ou em várias poças distantes entre si, o que dá na mesma comoriência; vivenciamos uma guerra entre irmãos que alcança as raias do absurdo – todos atirando em todos: tiro amigo, tiro inimigo, bala perdida, bala achada, não importa, o resultado é o sangue no chão, é o ódio motivado pela desmotivação de viver; vivenciamos a corrupção máxima na política e a inversão de valores; vivenciamos as milícias, nas favelas e no asfalto, crescendo espantosamente; vivenciamos o Mal triunfando do Bem; vivenciamos a ANOMIA!

Diante de tamanha desgraça, como resgatar a moral, a ética e os bons costumes? Como restaurar a Família, a Escola, a Igreja, a Comunidade Livre, o Respeito Mútuo, a Liberdade e a Vida? Por onde devemos recomeçar?…

Seria patinando em falsas impressões divulgadas em estardalhaço por vaidosos e famosos? Seria nos mantendo no continente da tragédia social maquiada em cansativos sofismas a ocultarem o feioso conteúdo? Ou não seria melhor atacar o conteúdo em discussões e ações objetivas no sentido de fazer o Bem novamente triunfar do Mal?… Se é que o Bem algum dia triunfou do Mal, a História nos conduz a essa triste realidade…

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